terça-feira, 31 de outubro de 2017

A chama em meu peito Ainda queima, saiba! Nada foi em vão...




Sinto que essa tese é de tanta gente. Tive tanta gente do meu lado, me apoiando, me olhando, me dando a mão, pagando minhas contas, enxugando minhas lágrimas. Foram tantas coisas. Foram tantas pessoas. A sensação de terminar a tese é exatamente a sensação que um amigo um dia me disse: é de olhar pra ela e pensar: putz, eu consegui. Eu fiz isso. E se eu consegui fazer isso, eu posso fazer qualquer coisa. To pronta pra qualquer coisa. E eu tô bem maior do que eu era. É não entender como, depois de se quebrar em tantos pedaços e tantas vezes, a gente pode estar maior e melhor no final. Um doutorado é uma escolha para, pelo menos, quatro anos. É você, nesses tempos líquidos, se manter firme a uma escolha que fez, por quatro anos. Mesmo que em muitos desses quatro anos essa escolha não faça mais tanto sentido. É procurar, lá no fundo da gente esse sentido. E encontrar. Talvez numa trombose, talvez numa cirurgia de retirada de um tumor do cérebro, talvez numa mesa de bar com os amigos, talvez numa conversa de vídeo pelo whatsapp com a família distante, talvez no carinho do namorado, talvez na solidão de um livro (ou na solidão de um namorado ou no carinho de um livro). Encontrar o sentido. O sentido daquela decisão de quatro anos atrás (no meu caso sete e meio!) dentro da gente, no nosso dia a dia. O sentido daquela decisão que muitas vezes é só uma decisão. Mas muitas vezes é A decisão. Fazer um doutorado é encontrar sem procurar tudo o que tem de pior dentro da gente. O medo, a insegurança, a angústia, a baixa autoestima, a solidão, a carência, a infância, a adolescência. é encontrar dentro da gente o pai, a mãe, os irmãos (cada um deles, no meu caso). É encontrar dentro da gente aquele professor maravilhoso, aquele professor horroroso, aquele colega que fazia bullying, aquela amiga que era só amor, aquela apresentação assustadora daquele trabalho na faculdade, aquela prova de cálculo. É encontrar a saudade de estar longe. Aquela solidão de ser esse um problema quase que só seu (embora tenha muita gente ali querendo dividir um pouco desse problema). Mas a gente sabe que não. A gente sabe que esse é um problema que é só nosso. Esse é um monstro que é só meu. Que eu criei, que eu reguei, que eu cultivei. Com muita dor. E com muito amor. Então, fazer um doutorado é, acima de tudo, ter coragem. Ter coragem de ter esperança. Esperança de que vai dar certo. Esperança em cada palavra, em cada frase, em cada paragrafo, em cada tópico, em cada capítulo, na tese. Esperança que um dia vai acabar. Esperança na defesa. Esperança de que a tese vai te servir pra muita coisa. Esperança de que aquilo vai mudar sua vida. Mas o que eu sei. O que eu sei hoje é que eu não sei o que eu vou fazer com essa tese. Mas eu sei também, que essa tese já fez muito por mim. Me fez crescer uns mil anos em sete. Me fez me procurar dentro de mim e me achar. Às vezes gostar. Às vezes gostar muito. Às vezes não gostar. Às vezes não gostar nem um pouco. Mas me procurar. E me achar. E aprender quem eu sou. E melhorar. Todo dia. Fazer essa tese foi um sofrimento diário, sustentado por momentos esporádicos de alegria. A resposta positiva do orientador. O encontro de um artigo, de um argumento. A escrita de um parágrafo que muda tudo. Que é luz. Que é vida. Uma amiga me falou e eu concordei e costumo repetir por aí que existem dois tipos de pessoas que não entendem o que é fazer um doutorado. As que nunca fizeram e as que fizeram mas que nasceram pra isso. No meu caso, eu fiz, mas não nasci pra isso. Aprendi a fazer isso. Aprendi a duras penas. Aprendi pra ir atrás de um sonho. Aprendi sonhando. Sonhando vários pesadelos. Pesadelos que me convenceram, sempre, a não desistir do sonho. Isso era pra ser uma carta de agradecimento e não um desabafo. Mas foi assim. Um desabafo. Porque as coisas estavam aqui. Dentro de mim. E precisavam sair. Agora. Nesse momento. Não era do Plano Marshall que eu precisava escrever. Nem do New Deal. Nem da Guerra Fria. Era disso. Era dizer que tem muita coisa dentro da mim. É querer deixar registrado pra quando eu tiver passando por outra dificuldade, lá na frente, eu olhar e enxergar o meu tamanho. E é grande. Meu tamanho é muito grande. E meu tamanho depois dessa tese é mais do que grande. É gigante.  


obs: eu ainda não terminei a tese, eu ainda não defendi a tese. mas, de alguma forma, eu já sinto isso tudo. eu sinto que já deu tudo certo. 

quarta-feira, 1 de março de 2017

a fé no que virá e a alegria de poder olhar prá trás




Quando a gente cresce, mas ainda precisa de um Raimundão.

Eu não sei desde quando sou assim, se desde muito pequena, se desde um pouco maior, se desde que nasci. Mas sei que desde que me entendo por gente, minha força nunca esteve dentro de mim, sempre esteve fora, na cabeça e na boca das outras pessoas. A minha confiança nunca foi minha, sempre foi roubada ou emprestada por alguém disposto a me empoderar. A palavra da moda.
Lembro da formatura do pré, quando fui oradora da minha turma. Acho que ali, com 6 ou 7 anos, já tive pesadelos com a leitura do discurso – que pasmem, eu tinha escrito, com meus 6 ou 7 anos. Eu já sabia ler e é claro, era a menina que melhor lia na sala, por isso me foi dada essa missão. Ao invés de ler, decorei. Deu tudo certo. Mas era simples, era só ler. E ler era uma coisa que eu sabia muito fazer. Lembro do meu pai me dizendo que estava ótimo, que eu estava pronta e isso me ajudava muito. Mas no fim, decorei. Fingi que percorri as linhas daquele texto colado em um papel rosa de embrulho de padaria antiga, acho que papel manilha, enquanto declamava as frases decoradas. Deu certo. Engasguei claro, uma ou duas vezes, mas ninguém percebeu.
Depois vieram outras situações. A necessidade de ouvir da boca dos outros que minha letra era bonita, que eu jogava bem vôlei, ou handebol ou basquete, todos os esportes que passei e não continuei. Talvez porque ninguém me disse que eu era boa. Mas eu fui da equipe do vôlei, da equipe de handebol, rodei belo horizonte inteiro competindo com os outros colégios. Mas não era a melhor do time, tinha gente melhor. Mas eu estava lá. E mesmo assim, não era suficiente. Uma vez, a melhor menina do time disse assim, no meio de um jogo: “olha como a Marina passa a bola direitinho”. Isso, só isso, mas ouvir aquilo me fez continuar no time, enquanto deu.
Depois veio o Raimundão. Quando eu estava no segundo grau e tinha prova de física, por mais que eu estudasse, eu só ia bem na prova se fizesse aula particular com o Raimundão. Não porque ele me ensinava o que eu não soubesse. Mas porque ele simplesmente me dizia que eu já sabia tudo e que podia ir fazer a prova. E eu ia e fazia e acertava tudo. Mas se eu não fosse e não escutasse tudo aquilo, eu ia mal, muito mal.
Depois veio o vestibular e a UFMG. Eu tinha plena condições de passar nessa universidade. Mas na minha sala tinha mais 5 pessoas muito inteligentes que iam tentar economia lá e na minha cabeça, como eles eram muito mais inteligentes do que eu, quem ia passar eram eles. Me boicotei. Não estudei pra segunda etapa. Não conseguia abrir um caderno. Fiquei anos repetindo pra mim que é porque eu queria estudar em viçosa, igual meu pai ou minha irmã. Mas não era. Era mais fácil não passar não tendo estudado. Era muito difícil não passar tendo estudado. Não me interessava saber que tinham 50 vagas. Eu só conseguir pensar que na minha classe tinha 5 pessoas muito mais inteligentes que eu e que é como se o sexto lugar não fosse possível, não existisse.
Daí veio a faculdade e as coisas deram certo muito rápido. Muito rápido eu comecei a tirar as melhores notas da classe. E as pessoas começaram a fazer uma ideia da marina muito inteligente que só tira as melhores notas e que também toma cerveja! E durante a semana! E duas ou três vezes. Como ela consegue? Daí não consegui me livrar da ideia dessa marina que me fizeram. Eu bebia cerveja e eu estudava. Porque era assim que eu era né. Assim que as pessoas achavam que eu era e era assim que eu tinha que ser. A cada prova existia um medo de decepcionar as pessoas, o que hoje vejo que na verdade era me decepcionar. É quando a gente se torna meio a métrica da sala: nossa, até a Marina foi mal! Às vezes me dava o direito de ir mal, de não estudar, mas tudo muito bem anunciado. Fazia questão de deixar, de forma bem delicada, todo mundo saber que não gostava dessa matéria e que não ia estudar e que queria tirar nota suficiente pra passar. E só. Como se eu devesse alguma coisa pra alguém. Mas não, na verdade, cada vez que eu repetia que não ia estudar, eu repetia pra mim mesma. Pra acreditar, pra me convencer que era boa, que só não ia tirar nota boa porque não estudei. Ouviu, Marina? Você continua inteligente, você só não quer estudar, mas se você quiser, você vai tirar a melhor nota do mundo.
Daí veio a prova do mestrado. A ANPEC. Eu me media pelo Torresmo, um veterano bem vagabundo que tinha passado no Pará. Eu pensava, se ele passou no Pará, eu vou passar também, basta tentar algum lugar bem fácil. E tentei. Mas hoje olho e penso: porque me medir pelo menino mais burro? Tinha uns lá, meio burros e meio inteligentes, normais, sei lá, que tinham passado na UFMG. Mas nunca, nunca pensei: se o Limão passou na UFMG eu também passo. Não. Tinha que ser bem burro. Aí conseguia me comparar.
Acho que Deus, que eu não acredito, é bom e me fez tentar um curso bom. E passei na UFRGS. Mas aí, começou tudo de novo. O vício em ser a melhor da turma. E era. A melhor ou a segunda melhor, intercalava. Mas fazer prova, era muito fácil. Essa vida toda, competindo comigo mesma, me ensinou a fazer prova. Mas apresentar trabalho era um drama. Dar estágio docente era um sofrimento. Os dias que antecediam as aulas que eu precisava dar vinham acompanhados de uma vontade de ficar bem encolhida no cantinho da minha kitnet, sentindo um desespero e uma dor que chegava a doer no corpo, não só no estômago.
Aí entra o Luciano. Acho que meu segundo Raimundão. Era mais velho, do Doutorado. E me achava incrível. Achava incrível a minha capacidade de ser estudante, de conseguir selecionar o que estudar pra prova, meus resumos pra prova. Dizia assim: se eu fosse esperto como você com a sua idade, eu teria ido muito longe. E isso me fazia continuar, várias vezes. Na época de escrever o projeto de dissertação, numa crise parecida, mas em menor escala, com a de hoje, eu disse que não conseguia escrever e ele olhou pra mim e disse: “bah, você?” E ouvi isso e sentei e escrevi. E pensando nessa frase, escrevi toda dissertação e o projeto de doutorado. E deu tudo certo. E na minha dissertação eu agradeci a ele, que considero meu tutor no mestrado, embora nunca tenha me ensinado nada.
Até que comecei o doutorado... e aí, preciso pensar mais um pouco. Antes de escrever. Porque não lembro de nenhum Raimundão e nenhum Luciano. Talvez seja esse o problema....


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