Sinto
que essa tese é de tanta gente. Tive tanta gente do meu lado, me
apoiando, me olhando, me dando a mão, pagando minhas contas,
enxugando minhas lágrimas. Foram tantas coisas. Foram tantas
pessoas. A
sensação de terminar a tese é exatamente a sensação que um amigo
um dia me disse: é de olhar pra ela e pensar: putz, eu consegui. Eu
fiz isso. E se eu consegui fazer isso, eu posso fazer qualquer coisa.
To pronta pra qualquer coisa. E eu tô bem maior do que eu era. É
não entender como, depois de se quebrar em tantos pedaços e tantas
vezes, a gente pode estar maior e melhor no final. Um
doutorado é uma escolha para, pelo menos, quatro anos. É você,
nesses tempos líquidos, se manter firme a uma escolha que fez, por
quatro anos. Mesmo que em muitos desses quatro anos essa escolha não
faça mais tanto sentido. É procurar, lá no fundo da gente esse
sentido. E encontrar. Talvez numa trombose, talvez numa cirurgia de
retirada de um tumor do cérebro, talvez numa mesa de bar com os
amigos, talvez numa conversa de vídeo pelo whatsapp com a família
distante, talvez no carinho do namorado, talvez na solidão de um
livro (ou na solidão de um namorado ou no carinho de um livro). Encontrar o sentido. O sentido daquela decisão de quatro anos
atrás (no meu caso sete e meio!) dentro da gente, no nosso dia a dia. O
sentido daquela decisão que muitas vezes é só uma decisão. Mas
muitas vezes é A decisão. Fazer
um doutorado é encontrar sem procurar tudo o que tem de pior dentro
da gente. O medo, a insegurança, a angústia, a baixa autoestima, a
solidão, a carência, a infância, a adolescência. é encontrar
dentro da gente o pai, a mãe, os irmãos (cada um deles, no meu
caso). É encontrar dentro da gente aquele professor maravilhoso,
aquele professor horroroso, aquele colega que fazia bullying, aquela
amiga que era só amor, aquela apresentação assustadora daquele
trabalho na faculdade, aquela prova de cálculo. É encontrar a
saudade de estar longe. Aquela solidão de ser esse um problema quase
que só seu (embora tenha muita gente ali querendo dividir um pouco
desse problema). Mas
a gente sabe que não. A gente sabe que esse é um problema que é só
nosso. Esse é um monstro que é só meu. Que eu criei, que eu
reguei, que eu cultivei. Com muita dor. E com muito amor. Então,
fazer um doutorado é, acima de tudo, ter coragem. Ter coragem de ter
esperança. Esperança de que vai dar certo. Esperança em cada
palavra, em cada frase, em cada paragrafo, em cada tópico, em cada
capítulo, na tese. Esperança que um dia vai acabar. Esperança na
defesa. Esperança de que a tese vai te servir pra muita coisa.
Esperança de que aquilo vai mudar sua vida. Mas
o que eu sei. O que eu sei hoje é que eu não sei o que eu vou fazer com essa tese. Mas eu sei também, que essa tese já fez muito por mim.
Me fez crescer uns mil anos em sete. Me fez me procurar dentro de mim
e me achar. Às vezes gostar. Às vezes gostar muito. Às vezes não
gostar. Às vezes não gostar nem um pouco. Mas me procurar. E me
achar. E aprender quem eu sou. E melhorar. Todo dia. Fazer
essa tese foi um sofrimento diário, sustentado por momentos
esporádicos de alegria. A resposta positiva do orientador. O
encontro de um artigo, de um argumento. A escrita de um parágrafo
que muda tudo. Que é luz. Que é vida. Uma amiga me falou e eu concordei e costumo repetir por aí que existem dois tipos de pessoas que não entendem o que é
fazer um doutorado. As que nunca fizeram e as que fizeram mas que
nasceram pra isso. No meu caso, eu fiz, mas não nasci pra isso.
Aprendi a fazer isso. Aprendi a duras penas. Aprendi pra ir atrás de
um sonho. Aprendi sonhando. Sonhando vários pesadelos. Pesadelos que
me convenceram, sempre, a não desistir do sonho. Isso
era pra ser uma carta de agradecimento e não um desabafo. Mas foi
assim. Um desabafo. Porque as coisas estavam aqui. Dentro de mim. E
precisavam sair. Agora. Nesse momento. Não era do Plano Marshall que
eu precisava escrever. Nem do New Deal. Nem da Guerra Fria. Era
disso. Era dizer que tem muita coisa dentro da mim. É querer deixar
registrado pra quando eu tiver passando por outra dificuldade, lá na
frente, eu olhar e enxergar o meu tamanho. E é
grande. Meu tamanho é muito grande. E meu tamanho depois dessa tese
é mais do que grande. É gigante.
obs: eu ainda não terminei a tese, eu ainda não defendi a tese. mas, de alguma forma, eu já sinto isso tudo. eu sinto que já deu tudo certo.